top of page
Buscar

O JOGO QUE TE FAZ TORCER PELOS VILÕES : DISPATCH

  • Foto do escritor: Max Fernandes
    Max Fernandes
  • há 14 horas
  • 7 min de leitura

Dispatch é quando um grupo de desajustados faz o impossível, tanto dentro quanto fora do jogo!

Dispatch é uma ótima workplace comedy | Imagem: Dispatch
Dispatch é uma ótima workplace comedy | Imagem: Dispatch

A história de Dispatch é admirável por ser um exemplo fortíssimo de jogo independente lutando para existir. Um dos grandes sucessos de 2025, o jogo de super-herói tem previsões de bater as metas comerciais de três anos da AdHoc em apenas três meses. Então, o que fez Dispatch ser tão popular num mundo em que todo mundo está cansado de heróis? Vamos pensar um pouco sobre essa questão a seguir…

A história de ex-desenvolvedores de um estúdio pulando fora para construir seus próprios projetos não é nova. Nesse caso, a AdHoc é resultado da falência da Telltale, o empreendimento megalomaníaco que engoliu sua própria cauda tal qual Ouroboros. 

Mais do que isso, em algum momento esse novo estúdio teve que pedir financiamento para o Critical Role por não ter mais condições de terminar o projeto, cortando boa parte do escopo em sua etapa final. Com todos esses problemas, é natural se contentar pelo sucesso do projeto, mas o que aconteceu para esse sucesso ser alcançado?


O poder dos personagens 

O elenco de Dispatch é diverso e cada personagem tem sua individualidade | Imagem: Dispatch
O elenco de Dispatch é diverso e cada personagem tem sua individualidade | Imagem: Dispatch

No jogo, Robert Robertson, o Homem Meca (Aaron Paul), é um super-herói que, durante uma batalha com seu arquiinimigo, o Mortalha (Matthew Mercer), tem seu traje mecânico destruído e suas atividades como super herói interrompidas, manchando a reputação de seu pai, que morreu no mesmo traje em um combate com o próprio Mortalha. Meses depois de sua “aposentadoria compulsória”, Robert é convidado a liderar a Equipe Z, um grupo de super-vilões tentando aprender a ser heróis e mudar suas atitudes.

Simples e direta? Sim. E uma história eficiente também. Se existe interesse em narrativas de herói hoje, é porque as pessoas entenderam que seguir uma fórmula é pouco efetivo depois da fadiga do método Marvel. Não queremos mais narrativas de origem e do herói aprendendo a mesma lição que todos os filmes ensinam. Talvez por isso Thunderbolts (2025) tenha sido tão bem-sucedido: um filme sobre um grupo de desajustados lidando com problemas de saúde mental é o tipo de trama que nos interessa mais que… não sei, Homem-Formiga e sua família num fundo verde por duas horas.

Conforme o jogo avançava, as situações propostas pela trama permitiam ao jogador passar mais e mais tempo com os personagens. O capítulo centrado totalmente no Flambae que encerra com a excelente cena da briga de bar foi uma chave virada na minha cabeça. “Eles caíram tanto na minha graça assim? Quando foi que eu comecei a gostar tanto do Golem?”

Robert passa por várias escolhas difíceis que definem seu caráter durante a trama | Imagem: Dispatch
Robert passa por várias escolhas difíceis que definem seu caráter durante a trama | Imagem: Dispatch

Fato é que o jogo investe no poder de seus personagens. Não são extremamente desenvolvidos e únicos, mas convencem bastante em suas interações e no uso pontual de cada um durante a trama. Todos tem sua personalidade: o caráter explosivo e imaturo do Flambae, a obsessão do Golpe Baixo por socar testículos ou a extravagância e atitude da Prisma. 

Sem contar que todos funcionam bem demais! É divertido vê-los interagir e notar traços deles por observar os detalhes. Por exemplo: qual de vocês não leu as HQs extras da edição deluxe e ficou muito feliz quando percebeu que a Malevola e o Sonar eram um casal? Ah… Essas HQs só estão na edição de luxo do jogo.

Além disso, a caneta está no lugar certo: os diálogos do jogo são muito eficientes e a escrita funciona perfeitamente para realçar essas figuras. Foi uma experiência incrível acompanhar o arco do Phenomaman, personagem que eu podia jurar que se tornaria mais um “Superman do Mal” e acabou como meu favorito do elenco, tudo isso por conta de como o storytelling do jogo – tanto em cena quanto dentro do expediente – demonstrava sua recuperação de uma profunda depressão. Nada mal para o Harry DuBois Alienígena, né?


Simulador de expediente e o peso das escolhas


O sistema de administração dos heróis é fácil de ser compreendido | Imagem: Dispatch
O sistema de administração dos heróis é fácil de ser compreendido | Imagem: Dispatch

Por falar em expediente, vamos falar sobre a mecânica principal do jogo: administrar o trabalho dessa equipe de desajustados. Embora muito fácil de dominar e não importando muito para o resultado dos capítulos, também é divertida. Era empolgante passar pela “tensão” de estar prestes a perder uma ocorrência enquanto os seus heróis descansam, ou decifrar o que os chamados necessitavam de habilidades para mandar o time certo. 

Eventualmente, isso foi sumindo por eu ter feito meu time inteiro de “all-arounders” enquanto evoluíam, mas foi outro aspecto que se destacou bastante no jogo para mim. Além disso, as sequências de hacking nunca perderam o desafio, embora elas também sejam o aspecto mais deficitário da experiência. Não era divertido, e gostaria bastante que o jogo me desse outras possibilidades para que Robert tivesse ações durante o expediente.

Porém, como dito anteriormente, essa mecânica reflete o principal defeito do jogo: o vício da Telltale foi herdado pela AdHoc e as escolhas pouco tem impacto real na história. Nesse aspecto, ainda é mais eficiente que as narrativas da Telltale, cujo destino de personagens sequer era diferente de acordo com suas escolhas (o Paradoxo do Harvey Dent no Batman da Telltale ainda me leva a loucura sempre que lembro dele).

O Phenomaman quebra os esteriótipos de “Superman do Mal” ao ser, na realidade, um Superman mal-sucedido | Imagem: Dispatch
O Phenomaman quebra os esteriótipos de “Superman do Mal” ao ser, na realidade, um Superman mal-sucedido | Imagem: Dispatch

Esse problema, contudo, me permite fazer uma provocação: a falta de impacto das escolhas do jogador e a inação deste quanto aos principais pontos da história já se tornou tão comum nessas franquias que é difícil enxergar um mundo onde cada escolha dos “dramas interativos” são de fato impactantes para a trama.

Jogos como Baldur’s Gate 3 dão essa liberdade, mas são irreais de serem desenvolvidos e, ainda assim, sua narrativa não apresenta uma linguagem 100% cinemática como Interactive Dramas. Pensar em um jogo que ofereça esse nível de impacto nas ações do jogador me parece impossível.

Na realidade, um estúdio que força essas escolhas a fazerem diferença é a Quantic Dream, mas não demora muito para vermos as falhas desse esquema de narrativa em videogame: basta ver a qualidade duvidosa que várias das escolhas de Detroit: Become Human entregam para a coesão da história sendo contada.

A relação com Invisigal é extremamente importante para a narrativa, evoluindo para um romance ou não | Imagem: Dispatch
A relação com Invisigal é extremamente importante para a narrativa, evoluindo para um romance ou não | Imagem: Dispatch

Mesmo assim, Dispatch ainda tem vários detalhes que são sim resultados da ação do jogador. Não somente os debates e a “Waifu War” entre a Invisigirl e a Blonde Blazer, mas várias minúcias que tornarão a vida de quem escrever a sequência (que sabemos que vai existir) mais difícil. Isso já torna o resultado final mais efetivo do que, não sei, Life is Strange, em que, não importando tudo que você fez durante toda a história, no fim, você escolhe dentre dois finais em que um é claramente melhor que o outro.

Não apenas isso, como essas mini variáveis e alguns dos eventos que pouco importam para a história apontam para um dos detalhes mais importantes do desenvolvimento de Dispatch: seus problemas de produção, já que esse jogo passou por poucas e boas durante a sua realização.


Problemas de produção 

Flambae é um personagem prejudicado pelos problemas de produção | Imagem: Dispatch
Flambae é um personagem prejudicado pelos problemas de produção | Imagem: Dispatch

Desde vários dos cortes, como a possibilidade de romance com o Flambae - que eu, particularmente, lamento muito de ter sido cortada - ou quando o estúdio estava prestes a cancelar o jogo e recebeu o financiamento do Critical Role por conta dos dubladores do projeto que são logo da turma do Matthew Mercer, Dispatch tem esse aspecto de faltar conteúdo e muito disso vem dessa batalha pela criação do jogo.

Para resolver o problema do conteúdo cortado, o estúdio desenvolveu algumas histórias em quadrinhos para explicar detalhes da trama que ficariam escanteados. O problema é: essas HQs estão apenas nas versões deluxe do jogo. Algumas vezes, problemas de enredo do jogo eram apontados por mim em conversas e recebia a resposta de “isso está nas HQs”, mas não é o suficiente. Eu não tive acesso a esse conteúdo. Por causa disso, o Mortalha acaba sendo um vilão bem ruim, sabe?

Talvez seja por conta dos problemas do modelo de negócios da Telltale, inclusive, que o produtor executivo do jogo, Michael Chong, ouviu de muitos que o lançamento episódico era uma péssima ideia. A Telltale Games sofreu muito com problemas financeiros até sua eventual falência, e foi por esse motivo que houveram tantos lançamentos seguidos: a empresa precisava continuar produzindo para se manter funcionando, o que resultou na queda de qualidade e, por consequência, rentabilidade dos jogos.

Nesse cenário, lançar um jogo episódico é extremamente arriscado. Todavia, Dispatch foi finalizado antes de começar a lançar seus episódios, que saíram ao longo de um mês inteiro, e não ao longo de um ano. Essa expectativa pelos novos episódios sendo rapidamente suprida manteve o jogo no discurso popular por bastante tempo e resultou em todo esse sucesso.


E então, o fenômeno 

‘Radio’, da cantora Bershy, se tornou um hit nas plataformas de streaming de música | Imagem: Spotify
‘Radio’, da cantora Bershy, se tornou um hit nas plataformas de streaming de música | Imagem: Spotify

Por consequência, Dispatch encheu os bolsos da AdHoc e se tornou um fenômeno cultural de 2025. Isso sem contar em Bershy, cantora que participa da trilha sonora e que foi, de acordo com ela, uma mudança real em sua vida, já que estava prestes a desistir da música até “Radio” ser licenciada e se tornar um sucesso considerável.

Pensando em tudo que debati aqui, o que explica o sucesso de Dispatch em meio a tal fadiga de herói? Simples: você sente que os desenvolvedores da AdHoc colocaram a alma no projeto. Se o jogo funciona apesar desses problemas de produção, é porque sem dúvida alguma quem trabalhou nesse projeto amou aquilo que estava fazendo e lutou muito para que o mínimo produto viável não fosse o que chegou nos jogadores finais, a exemplo dos fundadores do estúdio, que passaram seis meses sem receber para conseguir bancar o projeto em sua reta final.

Embora eu não seja o tipo de pessoa que aplaude esse tipo de ação, numa indústria marcada por crunch, passaralhos e cancelamentos de projetos promissores que só demonstram o quão disfuncional e prestes a desabar o modelo de negócios está, se isso aconteceu, é porque havia um desejo real por fazer Dispatch acontecer. Particularmente, acredito ser uma narrativa muito mais honesta e de estúdio independente do que, não sei, chamar jogos franceses cheios de financiamento e que usaram IA em texturas de indie.

Não foi uma filosofia de “melhor feito do que perfeito”, e sim uma filosofia de buscar ir além da Telltale, além de jogos formulaicos baseados em uma propriedade intelectual famosa. Talvez o segredo para superar a fadiga de super-heróis seja, justamente, desistir das fórmulas e ir atrás de uma história honesta, que não está interessada em nada além de seus personagens e transborda carinho pela arte e confiança no seu propósito.



Esse texto foi escrito por Max Fernandes e editado por Senhor Genérico


Nos sigam nas nossas redes: Instagram | Bluesky | TikTok | YouTube

 
 
 

Comentários


bottom of page